Quando você está no seu emprego desenvolvendo uma atividade e, de repente, o seu coordenador (ou seja lá quem for) vai até você já levantando a voz e, o repreende aos gritos. Ou imagine um casal. O marido decidiu preparar o jantar (do jeito dele) e, então, a esposa que não concorda com a maneira dele de cozinhar decide se manifestar aos berros. Talvez você já tenha se visto nessa situação e, certamente, não se sentiu nada confortável, sobretudo, se foi o sujeito que recebeu os gritos. Afinal, entre adultos aprendemos que dialogar é o melhor meio de se alcançar um bom resultado. Pergunto a vocês: vocês gritam com a moça do supermercado se ela colocar na mesma sacola uma fruta junto a um produto de limpeza? Ou gritam com seu coordenador se acham que ele está errado?
Então, porque será que, em se tratando de crianças, acreditamos que isso é certo, que é o (único) caminho para educar é aumentando o tom e a aspereza na voz? O pediatra espanhol Carlos Gonzalez em seu livro “Bésame Mucho – como criar os filhos com amor” (Editora Timo) faz diversas referências comparativas como essas que expus aqui, que demonstram comportamentos os quais não toleramos e repreendemos quando adultos (ou deveríamos agir como tal), mas quando se trata de crianças, passamos a achar “aceitável”. Em 2004, o Dr. Murray Straus, um sociólogo considerado um pioneiro no estudo das relações interfamiliares, publicou um artigo no qual avaliava o impacto do grito sobre a saúde emocional da criança e, também, dos pais.
Da mesma maneira que Gonzalez tenta demonstrar em seu livro, Straus também avalia essa questão de como desenvolver as crianças, não apenas física, mas mental e emocionalmente também. "Parte da resposta é que existem normas culturais implícitas que dizem que é aceitável gritar com crianças, enquanto o oposto é verdadeiro no trabalho", diz Straus. Alterar essa visão cultural significa reconhecer que gritar com seus filhos é tão errado quanto gritar com seus colegas de escritório. "Se pudermos ter esse ponto de vista, as pessoas estarão interessadas em usar alternativas porque sabem que o que estão fazendo é errado".
GRITAR não faz parte da vida
Gritar acabou se tornando algo tão comum em nossas vidas que muitos acabam compreendendo que torna-se inevitável quando se fala em educação infantil.
Sim, reconheço que muitas vezes pode ser tentador gritar como maneira de resolver uma situação. Mas precisamos rever nossos hábitos. Gritar para chamar uma criança que está distante de você, não causa danos. Gritar para alertar uma criança de algum risco eminente, ok. Agora, quando o adulto (os pais) está com o semblante que denota raiva ou frustração e grita ou lança palavras de insulto como “idiota”, “molenga”, “descuidado” entre outros, essa atitude pode causar danos psicológicos, como apontou o Dr. Straus.
Embora alguns pais possam pensar que “gritar” é melhor que “bater”, compreenda que as palavras podem ter o mesmo efeito emocional que uma palmada. Ambas as atitudes podem causar danos e não devem ser aplicadas – trata-se de abuso emocional. Você ataca os valores fundamentais de uma criança, sua autoestima, com essas declarações.
Filhos cujos pais levantam a voz, gritam, insultam, criticam, ridicularizam ou humilham podem sofrer de depressão, ter baixa estima, ser mais agressivos e, até mesmo, afetar as relações interpessoais.
A Academia Americana de Pediatria em um relatório emitido em 2002 baseado em um estudo disse que um padrão crônico de maus tratos psicológicos destrói o senso de segurança de uma criança e tende a ser preditor de doenças mentais.
Se você, adulto de hoje, na infância passou por essas circunstâncias e sente que “sobreviveu” a elas, que bom. Você “sobreviveu”. Mas, se você, adulto de hoje quer desenvolver um “ser humano”, alguém que vive, e não apenas sobrevive, é hora de fazer a diferença e agir diferente. Não estou aqui para dizer como cada um deve criar seus filhos, mas para ensinar e instruir. Como pediatra, cabe a mim olhar a saúde não apenas física, mas emocional das crianças.
Será possível desenvolver a criança sem usar o grito?
Convido vocês a fazerem uma autoanálise: reflitam o que costuma tirar vocês do sério e desencadear reações em que a voz se eleva e... o grito sai garganta afora. Nos momentos que sentir que vai “explodir” respire fundo antes de agir. Lembre-se que aquele que está em sua frente é seu filho, uma criança em formação, que precisa ser cuidada com empatia e amor.
O ser humano aprende e assimila melhor quando direcionado por meio de atitudes positivas. A neurociência mesmo explica essa questão, de que a criança – nos primeiros anos de vida, não assimila o “não”. Mas, compreende quando somos propositivos.
Outro aspecto que leva os pais a gritar: achar que tudo é “birra”. O que é essa chamada “birra” afinal? Traduzo as atitudes das crianças de insistentemente pularem, gritarem, correrem, baterem objetos como uma ansiedade por atenção. Quando as crianças recorrem a essas práticas, geralmente é porque percebem que assim conseguem um olhar do adulto, que se volta para ela e, mesmo que com raiva, lhe dá atenção. Procure compreender o que leva seu filho a ter determinados comportamentos. Parar alguns instantes e interagir com ele poderá ser o melhor caminho para modificar uma situação.
Acompanhe as fases evolutivas da criança. Leia sobre picos de crescimento e saltos de desenvolvimento. Não adianta esperar que na fase oral, por exemplo, ele não leve tudo o que vê pela frente à boca. Ou que quando ele desenvolver a habilidade de andar, ele evite ir em direção àquele seu vaso predileto e quebra-lo. Compreender isso ajudará a ser tolerante e acolher em lugar de esbravejar.
Quando souber que está no seu limite devido ao cansaço ou privação de sono, procure ajuda. Criar um filho é desafiador, então, lembre-se de que vc é humano e precisará de suporte também. Caso mesmo assim vv exploda e grite, converse com a criança, peça desculpas. Explique que errou.
Persista. No desenvolvimento infantil as crianças costumam aprender por repetição. Então, se há algo equivocado, procure encontrar um meio de ensinar, em lugar de desencorajar. Fale palavras de estimulo. Gritos não são eficazes pra se aprender. Mas o amor é.